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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Fugitivo norte-coreano relata campo de trabalhos forçados e execução pública

"Fuga do Campo 14 " acompanha a jornada de Shin rumo à liberdade Nascido no Campo 14, um dos maiores complexos de trabalhos forçados destinados aos presos políticos na Coreia do Norte, Shin Dong-hyuk conseguiu escapar da prisão e atravessou o país até a fronteira com a China.
 
Nesses campos, os prisioneiros trabalham até 15 horas por dia. Violência, fome e frio são constantes na rotina dos condenados. Aos 13 anos, assistiu mãe e irmão serem executados após uma tentativa de fuga.
O depoimento de Shin ao jornalista Blaine Harden está no livro "Fuga do Campo 14", uma rara publicação sobre o regime e a nação que são quase impenetráveis aos ocidentais.
"No Campo 14, uma prisão para os inimigos políticos da Coreia do Norte, era proibido formar grupos com mais de dois presos, a não ser nas execuções", conta Harden, "Todos tinham de presenciá-las. No campo de trabalhos forçados, a execução pública --e o medo que ela gerava-- era um momento didático".
Segundo a Agência Central de Notícias da Coreia do Norte, em pronunciamento no dia 6 de março de 2009, "não há nenhuma 'questão dos direitos humanos' neste país, pois todos levam uma vida extremamente digna e feliz".
Abaixo, leia um trecho de "Fuga do Campo 14".
 
 
INTRODUÇÃO
NUNCA OUVIU A PALAVRA "AMOR"
Nove anos depois do enforcamento de sua mãe, Shin contorceu-se para atravessar uma cerca elétrica e saiu correndo pela neve. Era o dia 2 de janeiro de 2005. Até então, nenhuma pessoa nascida em um campo de prisioneiros políticos na Coreia do Norte havia conseguido fugir. Até onde é possível averiguar, ele ainda é o único que teve êxito.
Tinha 23 anos de idade e não conhecia ninguém do lado de fora da cerca. Depois de um mês, ele entrou na China, a pé. Em 2007, dois anos após a fuga, estava vivendo na Coreia do Sul. Quatro anos mais tarde, morava no Sul da Califórnia e era um embaixador sênior da Liberty in North Korea (LiNK; Liberdade na Coreia do Norte), um grupo americano de defesa dos direitos humanos.
Na Califórnia, ele ia trabalhar de bicicleta, torcia para o time de beisebol Cleveland Indians (por causa do batedor sul-coreano, Shin-Soo Choo) e comia duas ou três vezes por semana no In-N-Out Burger, que, a seu ver, tinha o melhor hambúrguer do mundo.
Seu nome agora é Shin Dong-hyuk. Ele fez a alteração depois de chegar à Coreia do Sul, numa tentativa de se reinventar como um homem livre. É bonito, com olhos vivos, desconfiados. Um dentista de Los Angeles tratou de seus dentes, que não podiam ser escovados no cativeiro. Sua saúde física geral é excelente. O corpo, porém, é um verdadeiro mapa dos sofrimentos que decorrem de se crescer num campo de trabalhos forçados cuja existência o governo da Coreia do Norte insiste em negar.
Tolhido pela desnutrição, ele é baixo e franzino - 1,67 metro e 54,5 quilos. O trabalho infantil deixou-lhe com braços arqueados. A parte inferior das costas e as nádegas têm cicatrizes das queimaduras infligidas pelo fogo do torturador. A pele sobre o púbis exibe a cicatriz da perfuração feita pelo gancho usado para prendê-lo sobre as chamas. Os tornozelos têm marcas de correntes que serviram para pendurá-lo de cabeça para baixo na solitária. O dedo médio da mão direita foi cortado na altura da primeira articulação, punição que recebeu de um guarda por derrubar uma máquina de costura numa fábrica de roupas do campo. As canelas, do tornozelo até o joelho, em ambas as pernas, são mutiladas e marcadas por cicatrizes de queimaduras provocadas pela cerca de arame farpado eletrificada que não foi capaz de mantê-lo no interior do Campo 14.
Shin tem mais ou menos a mesma idade que Kim Jong Eun, o gorducho terceiro filho de Kim Jong Il que assumiu o comando depois da morte de seu pai em 2011. Como contemporâneos, os dois personificam os antípodas de privilégio e privação na Coreia do Norte, uma sociedade pretensamente sem classes onde, na realidade, a criação e a linhagem determinam tudo.
Kim Jong Eun nasceu como um príncipe comunista e foi criado atrás das paredes de palácios. Foi educado sob um nome falso na Suíça e, de volta à Coreia do Norte, estudou numa universidade de elite que tem o nome de seu avô. Graças a sua estirpe, vive acima da lei. Para ele, tudo é possível. Em 2010, foi nomeado general de quatro estrelas do Exército do Povo Coreano, apesar da completa falta de experiência de campo nas forças armadas. Um ano depois, após a morte de seu pai, vitimado por um súbito ataque cardíaco, os meios de comunicação da Coreia do Norte o descreviam como "outro líder vindo do céu". Porém, ele talvez seja obrigado a compartilhar sua ditadura terrena com parentes e autoridades militares.
Shin nasceu como escravo e foi criado atrás de uma cerca de arame farpado de alta voltagem. Numa escola do campo de trabalhos forçados, aprendeu a ler e a contar num nível rudimentar. Por ter o sangue maculado pelos supostos crimes dos irmãos de seu pai, não tinha nenhum dos direitos assegurados pela lei. Para ele, nada era possível. O plano de carreira que o Estado lhe prescrevia era trabalho árduo e uma morte prematura causada por alguma doença acarretada pela fome crônica - tudo isso sem uma acusação, um julgamento ou um recurso. E tudo em sigilo.
 
 
 
 
Folha.

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